Recebi recentemente mais uma pergunta sobre o gênero da terceira pessoa da Trindade. Dessa vez ela chegou até mim nos seguintes termos: “Eu ouvi falar que o termo hebraico para ‘espirito’ no Antigo Testamento é feminino e, por isso, deveríamos pensar na terceira pessoa da Trindade como uma mulher. É verdade? Além disso, a sabedoria de Deus, como descrita em Provérbios, era uma mulher. Enfim, o Espírito Santo é do gênero masculino ou feminino?”
Há diversas maneiras de responder a essas perguntas; uma delas é tentar falar somente aquilo que a pessoa quer saber. Às vezes uma resposta acaba levantando outros problemas e despertando novas curiosidades que a pessoa nem havia pensado. O modo como a pergunta foi feita revela uma mistura de várias fontes de informação e, como é o caso de qualquer mistura, se não for bem misturado acaba deixando vestígios de afirmações que foram reaproveitadas de outros debates. Assim, comecemos com as informações que são mais importantes.
O termo hebraico
Esse é um exemplo de conhecimento que aparece num contexto mais informal com um ar de autoridade: “está no hebraico!” A definição de gênero dos substantivos em hebraico (como em qualquer outra língua) não está amarrada ao sexo (masculino/feminino). Substantivos como “pedra” ou “Israel” não têm sexo, mas são descritos em algumas línguas com substantivos masculinos ou femininos. Tome, por exemplo, o substantivo próprio “Israel” que em português é considerado masculino, mas em inglês é feminino. Veja, então, que a definição de gênero de um substantivo não tem a ver com ser homem ou mulher, quando não se trata de um “ser vivo” (ou, para usar o termo bíblico, uma “alma vivente”). Creio que a distinção feita entre macho e fêmea nos dias da criação (Gênesis 1.27) deve ser mantida para os seres humanos apenas. Não temos como argumentar conclusivamente sobre o sexo dos seres que não são humanos.
Assim sendo, as peculiaridades que caracterizam um macho e uma fêmea foram criadas por Deus para cumprir um papel específico. Além disso, antes de criá-los como macho e fêmea, houve uma consulta no conselho da Trindade: “façamos o homem segundo a nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gênesis 1.26). O relato da execução desse plano vem imediatamente após: “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher (ou, macho e fêmea) os criou” (Gênesis 1.27). Se fôssemos levar ao pé da letra (o que acho incorreto) teríamos que dizer que todas as três pessoas da trindade são macho e fêmea. Creio ser mais razoável pensar na distinção entre macho e fêmea como aplicável somente aos seres vivos (ou, “almas viventes”).
Observe isso: nenhum dos seres angelicais que apareceram nas histórias da Bíblia foram percebidos como sendo do sexo feminino. Quando os dois anjos, juntamente com o Senhor, apareceram na entrada da tenda de Abraão, eles foram percebidos como “três homens em pé” (Gênesis 18.2). O comentário de Jesus no Novo Testamento dizendo que os anjos nem se casam nem se dão em casamento (Mateus 22.30) não me parece ter como objetivo definir a diferença de gênero entre os anjos. Diante disso, prefiro ficar com aquilo que é possível dizer com certeza, a saber, a distinção de gênero foi criada por Deus e aplicada aos seres viventes visando ao cumprimento de um propósito específico.
A sabedoria de Deus é uma mulher?
Esse conceito procede do livro de Provérbios. De uma forma inédita, o autor do livro cria um cenário em que duas personagens do sexo feminino (a mulher sábia/virtuosa e a mulher adúltera) interagem com um jovem que é referido no livro como “filho meu”. A mulher adúltera aproveita a ocasião em que seu marido viajou e sai em busca de aventuras sexuais com os jovens que encontra pela rua. A mulher sábia/virtuosa sai pelas ruas e praças chamando todos a dar atenção às suas palavras como sendo palavras de Deus. É no meio de um desses discursos que ela comenta, demoradamente, sobre sua identidade, dizendo que esteve com Deus antes da fundação do mundo e que todas as coisas foram feitas por meio dela (Provérbios 8.22-30). Sim, sem dúvida a sabedoria de Deus foi apresentada em Provérbios como uma personagem do sexo feminino. O problema é que ela era uma metáfora para a segunda pessoa da Trindade e não para o Espírito Santo. O Novo Testamento afirma repetidamente que Cristo é a sabedoria de Deus, como o exemplo: “mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus” (1 Coríntios 1.24).
Conclusão
Como vimos, as dúvidas a esse respeito são verbalizadas de maneira bastante desarticulada do seu contexto original. A minha impressão é de que alguém está querendo usar peças isoladas de verdades para construir um discurso independente da intensão original dos textos bíblicos. A distinção masculino/feminino (macho/fêmea) não se aplica ao Espírito Santo.