Evitando tocar no assunto

Eu evito falar com pessoas que fazem de tudo para não tocar no assunto que precisa ser tratado. Em lugar disso, ficam inventando outros temas que não tem qualquer relação com o que realmente importa. O caso que tenho em mente é o famoso encontro de Deus com os personagens do livro de Jó. O encontro acontece no capítulo 38, quando Deus, do meio de um redemoinho, resolve aparecer na terra de Uz onde Jó e seus amigos vinham discutindo há meses. Até mesmo para o leitor que nunca leu o livro, a aparição de Deus é uma novidade. Não há nenhuma evidência no livro de que Deus tinha o costume de aparecer para Jó ou a qualquer um dos personagens envolvidos nos diálogos. Qualquer que tenha sido o caso, a situação mais inesperada e estranha foi a atitude de Deus de evitar tocar no assunto. Por quê? Veja as respostas que já consegui levantar em minha peregrinação pelo livro de Jó.

Teste da motivação

O primeiro motivo que vejo para a estranha atitude de Deus de evitar tocar no assunto seria a de testar as motivações dos personagens que vinham trocando acusações há meses sobre os possíveis motivos para as aflições de Jó. Quando digo evitar tocar no assunto me refiro aos principais temas que foram levantados até aquele ponto no livro. Por exemplo: Nunca um justo pereceu ou foi afligido como Jó estava sendo (posição levantada por Elifaz). Outra: Ninguém jamais foi tratado com tanta severidade, a menos que tivesse pecado gravemente contra Deus (posição de Bildade). Outra: Jó pecou gravemente ao falar sem conhecimento e, ainda, acusar Deus como responsável pelo que aconteceu (posição de Eliú). O cenário geral da discussão tinha os amigos defendendo Deus das acusações de Jó, enquanto ele mesmo não admitia ter feito nada que justificasse tal tratamento.

E aí? Não seria a hora de Deus aparecer e colocar um ponto final na discussão, já que foi ideia dele aceitar que o seu servo Jó fosse testado daquela maneira? Por que evitar tocar no assunto? Eu creio que Deus tinha o interesse em testar a motivação de todos os que participavam daquela discussão, mas especialmente a motivação de Jó. Em outras palavras, Deus queria ensinar aos que leriam essa história posteriormente sobre o perigo das motivações. Há diversos episódios no Novo Testamento em que Jesus tocava no assunto porque “conhecia os corações” dos que estavam perguntando; ele conhecia as verdadeiras motivações. Será que Deus conhecia as intenções e motivações de Jó e seus amigos? Claro que sim. Para mim, essa é a primeira explicação. Deus sempre parece conhecer e considerar nossas motivações antes de nos responder ou atender as nossas necessidades.

Teste da cosmovisão

Como vemos o mundo no qual vivemos e como entendemos nossa participação nele? Essas são as duas esferas que Deus parece estar focando para testar a cosmovisão de Jó e a de seus amigos. Os motivos por que penso isso são as perguntas feitas por Deus no seu discurso no capítulo 38. Perguntas do tipo “onde estavas tu quando lancei os fundamentos da terra?” afetam o modo como vemos nossa participação no mundo. Há muito mais coisas acontecendo ao redor do planeta que não temos sequer conhecimento de sua existência. Outra consequência dessa pergunta de Deus é a percepção de que participamos muito pouco na criação e preservação do mundo ao nosso redor. Outro tipo de pergunta são aquelas que começam com a expressão “podes tu…?” Perguntas desse tipo cumprem o importante papel de nos lembrar dos limites daquilo que conseguimos fazer. Quando ouvimos Jó e seus três amigos discutindo sobre o que Deus fazia ou deixava de fazer, ficamos com a impressão de que aquela discussão definiria os rumos da vida e da história deles. Semelhantemente, as perguntas de Deus, propositalmente fora do assunto, podem estar fazendo-nos ser mais realistas sobre o que está ao nosso alcance e o que depende de nossa participação e empenho para acontecer. Às vezes observo pessoas que discutem um assunto em suas Lives e outras formas de mídia social com tanta animosidade e irritação que até pensamos serem pessoas que, sozinhas, serão responsáveis pelo curso da história. São pessoas assim que precisam desse teste de cosmovisão.

Teste do conhecimento

Conhecimento não é algo estático. Sempre que adversidades transtornam nossa realidade, colocando-nos diante de situações novas e sem respostas prontas, nosso conhecimento precisa ser atualizado. A discussão travada entre Jó e seus amigos dependia de um conhecimento acumulado por eles sobre como Deus costumava agir e as razões por que ele tomava algumas de suas decisões. Todavia, o conhecimento acumulado pode ser facilmente suplantado pela chagada do novo e do inexplicável. Assim sendo, as perguntas de Deus desafiando o conhecimento acumulado daqueles homens tinham o propósito de tirá-los de sua zona de conforto onde tudo podia ser dogmaticamente explicado. Bastaram algumas dessas perguntas do tipo “sabes tu?” para que conhecimento acumulado de Jó e seus amigos fosse provado ineficiente e limitado. Como o próprio Jó disse, “falei de coisas que não conhecia nem entendia” (Jó 42.3). Tem muita gente que precisava passar por esse teste e confessar que fala muita coisa que não conhece e nem entende.

Conclusão

Veja, então, que havia boas razões para Deus evitar tocar no assunto: Evitar entrar no círculo de debates com motivações distorcidas e com graves falhas de conhecimento. Tocar no assunto e entrar na discussão só traria mais atenção e notoriedade para o circo que eles tinham montado. Deus não precisa disso e nós também não. Pense nisso. Leia as palavras de Deus nos capítulos 38 a 41 de Jó e faça o teste da motivação, da cosmovisão e do conhecimento. Descubra suas motivações, sua visão de mundo e os limites de seu conhecimento. Quando Deus evitar falar do que você quer ouvir, não desperdice a chance de descobrir as razões que ele tem para isso, ouvindo qualquer que seja o assunto que ele tenha para falar.

Daniel Santos

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Professor, pesquisador e pastor. Amo ouvir, refletir e divulgar boas ideias. Creio, sigo e sirvo o Deus que se revelou nas Escrituras do Antigo e Novo Testamentos.

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