Todos os que já passaram pela experiência de fazer uma endoscopia se lembram do momento quando o medicamento tranquilizante é administrado e, depois disso, não se tem qualquer consciência do que aconteceu. Acordamos numa sala que não nos lembramos de ter entrado, olhando para uma enfermeira que não sabemos exatamente quem é além de não saber nem mesmo se o tal exame foi realizado. Um blackout total em nossa memória.
Semelhantemente, quando pela primeira vez Adão abriu os seus olhos neste universo, no primeiro minuto da sua existência, creio que três perguntas precisavam de respostas imediatas, antes que o seu mundo começasse a fazer sentido: 1) Onde estou? 2) O que aconteceu? e 3) Quem é a pessoa em pé diante de mim? (a ordem das perguntas não é tão importante assim).
Adão estava no jardim do Éden, havia acabado de ser criado, e a pessoa em pé diante dele, a qual acabara de lhe soprar nas narinas o fôlego da vida, era o próprio Deus. Ora, para nós que podemos olhar de uma perspectiva de vários milênios no futuro, estas informações são elementares. Todavia, o quanto destas informações Adão tinha em mente? Quanto delas ele poderia assimilar naquele momento? Quanto de significado e relevância elas teriam para ele no seu primeiro minuto de existência? Neste texto eu me coloco na situação de Adão e faço as mesmas perguntas que imagino terem sido feitas naquele instante.
Onde estou?
Honestamente, não faria o menor sentido tê-lo situado geograficamente ou mesmo temporalmente, já que ele nunca havia estado em nenhum outro lugar em toda a sua vida (1 minuto de existência!) e nem teria como saber por quanto tempo esteve “fora do ar”. Saber onde estamos faz parte da nossa localização não somente no aspecto geográfico, mas também no aspecto histórico.
Todo ser humano deveria saber exatamente onde ele ou ela se encontra no planeta terra, mas principalmente, na história da humanidade. Há certos comportamentos e atitudes que não são próprios de uma pessoa vivendo em nossa era. Não podemos voltar na história e viver em um século que não mais existe, nem tentar agir de acordo com uma era que ainda não chegou a se concretizar. Isso não significa que não podemos viver em nossa era assumindo a perspectiva de alguém ou de algum grupo que viveu séculos antes de nós. Viver no passado é uma coisa; viver com uma perspectiva do passado é outra bem diferente. O centro da diferença, eu entendo, está no desejo de querer trazer o passado para os dias atuais ou transportar nossos dias para o futuro. Nenhuma destas duas atitudes são realistas. Cada pessoa foi escolhida por Deus para viver em uma era específica e, por isso, devemos manter a perspectiva tanto passada quanto futura para nos localizar em nossa era. No caso de Adão, ele teve o privilégio de receber esta perspectiva do próprio Deus criador.
Sou tentado a imaginar o Senhor dizendo coisas do tipo: “Adão, não adianta você tentar saber ou eu tentar explicar o que aconteceu antes ou o que acontecerá depois. Por enquanto, tente se concentrar no agora. Tente entender e conhecer onde você está agora. Você está num jardim preparado por mim. Este é um lugar especial e há outros espaços fora deste perímetro que são diferentes deste que você está vendo aqui”.
De certa forma, as palavras de Deus a Adão deveriam ser repetidas a cada um de nós hoje. Há muita coisa que devemos saber e conhecer a respeito de nossa era, antes de tentarmos transformá-la. Às vezes chego a pensar que quanto mais vivemos, mais tentamos escapar na nossa época e tentamos viver numa era anterior ou posterior à nossa. Mas isso nos leva de volta ao ponto mencionado anteriormente, a saber, foi Deus quem escolheu o ponto exato da nossa entrada na existência humana. Semelhantemente, o ponto de saída é também responsabilidade dele. Assim, deveríamos considerar com mais cuidado o ponto de nossa entrada neste mundo, se não por nenhuma outra razão, ao menos por amor àquele que sabiamente escolheu quando e onde tal ponto seria fixado.
O lugar onde Deus escolheu para inserir você neste planeta tem implicações práticas e imediatas tais como: que língua você falará, a que família você pertencerá, a que situação econômica você terá que se acomodar, em que conflitos políticos você estará envolvido, etc. Todas estas variáveis refletem uma escolha divina e, por causa disso, deveriam pelo menos inspirar nossa consideração. Deveríamos antes de qualquer coisa perguntar: “Por que um Deus todo poderoso, que poderia ter me feito nascer em qualquer outro lugar no mundo, decidiu que meu ponto de entrada em seu mundo fosse o ponto em que me encontro agora?”
A questão da localização, como foi para Adão, portanto, é fundamental para assumirmos a postura correta em nossa geração, especialmente para aqueles que pretendem transformá-la de alguma maneira. Até mesmo o Jardim do Éden deveria ser transformado em certo sentido, pois o Senhor apenas iniciou um projeto que devia ser continuado pelo homem por meio de seu domínio sobre toda a terra. Mas antes de Adão ser capaz de fazer isso, ele precisaria conhecer bem o momento e o local em que se encontrava. Havia desafios e responsabilidades específicas que se aplicavam àquele jardim que precisavam apenas ser compreendidas e obedecidas literalmente. Antes de pensar em dominar sobre toda a terra, o primeiro casal deveria cumprir sua missão de obedecer ao mandamento de Deus dentro do perímetro do jardim, pois uma falha por parte deles traria consequências trágicas para todos os demais seres humanos.
Talvez um ponto fundamental na localização de Adão naquele primeiro momento, que pode ser transferido para qualquer outra época, seja a certeza de que ele estava com Deus. Esta é a localização mais importante que o ser humano precisa verificar. Neste sentido, não importa em qual século você foi inserido na história da humanidade; o privilégio de se localizar no mundo em relação àquele que o acompanha ainda permanece. Se alguém perguntasse para Adão naqueles primeiros minutos de sua existência, “Adão, onde está você?” a resposta não seria outra senão, “Eu estou com o Senhor”. Tragicamente, Adão ouviu esta pergunta mais cedo do que esperávamos, logo depois de ter tomado do fruto proibido.
O que aconteceu aqui? O que aconteceu comigo?
Imediatamente após ter sido criado e despertado para a existência humana, Adão não podia se lembrar de nada, mas era capaz de perceber que alguma coisa tinha acabado de acontecer pelo simples fato de ser humano. Em outras palavras, ser humano significa ser capaz de interagir com o mundo por meio dos sentidos com os quais fomos criados – Adão podia ver, ouvir, tocar, etc. Ao “ligar” o ser humano, o Senhor Deus habilitou a principal de todas as suas criaturas a interagir ilimitadamente com tudo o que acontecia fora de si. Mas antes que Adão pudesse usufruir plenamente de todos estes benefícios, algumas informações básicas precisavam ser atualizadas. Eis o dilema: como iniciar o processo de “atualização do perfil” de Adão? Como começar a contar a história do início de todas as coisas quando a sua própria existência é o começo da história? Que tipo de informação lhe proporcionaria um mínimo de perspectiva para que sua existência tivesse significado? Há um dito popular que diz: “quando não se sabe por onde começar, comece pelo começo”.
Eu gosto de pensar que Deus deve ter iniciado com alguns destes elementos a seguir: Primeiro, Adão deveria saber que a sua vida teve origem em Deus. Adão não podia entender completamente o motivo, mas ele pôde perceber que havia uma semelhança inquestionável entre ele e aquele “ser” que estava diante dele quando pela primeira vez abriu seus olhos nesta vida. A imagem/semelhança de Deus impressa em sua criatura cumpria o papel importante de gerar o primeiro gesto de comunhão. Acho fascinante a ideia de Deus ter se apresentado para ele antes de Eva ter lhe sido apresentada. Isto me comunica uma mensagem básica, a saber, que o referencial para detectar o que aconteceu ou acontece comigo não deve ser o meu próximo, mas Deus. Isto é especialmente verdadeiro no caso de Adão, o qual não teve um pai ou uma mãe para quem olhar e dirigir este primeiro elo de comunhão. Segundo, Adão precisava saber que o mundo que ele experimentava naquele momento era fruto de um projeto complexo, detalhado e amoroso. Como parte desse projeto, a decisão de trazê-lo à existência naquele ponto e escolhê-lo para ser o primeiro ser humano foi um grande privilégio para Adão. Tal projeto, contudo, precisava ser mantido por meio de uma aliança – usufruir de todos os privilégios mediante a obediência ao Senhor.
Segundo, Adão precisava saber que a sua posição na existência humana era fundamental e teria consequências definitivas para o resto da humanidade em todo o planeta terra. Aquilo que Adão deveria saber a respeito da sua posição estava basicamente relacionado ao fato de ele ter sido criado por Deus para cumprir uma missão singular, num lugar singular, num momento único na história da humanidade. Nenhum de nós hoje tem a mesma responsabilidade e missão que foi designada a Adão, no sentido pleno da palavra. Entretanto, todos nós deveríamos saber que qualquer que seja a nossa missão em nossa era (aquela que Deus escolheu para nos inserir), devemos manter em mente que o cumprimento de nossa missão hoje terá consequências para aqueles que virão depois de nós.
O fato de que a desobediência (ou a obediência) de Adão teve consequências bem maiores para o resto da humanidade do que a nossa desobediência (ou obediência), não deveria servir de desculpa para vivermos uma vida irresponsável. A nossa missão neste universo está relacionada com a posição que ocupamos nele. Para descobrirmos nossa posição precisamos saber o que está acontecendo no mundo ao nosso redor. Não seria esta a razão porque muitas pessoas têm dificuldades em “descobrir” a sua missão? Não seria isso um reflexo do nosso desconhecimento e desinteresse do que está acontecendo no mundo em que vivemos? Ai vai, então, a minha dica: primeiro descubra o que está acontecendo; depois procure saber qual a sua missão. As chances de você se envolver com uma missão equivocada (ou pior, irrelevante) são muito maiores quando esta ordem é invertida.
Em resumo, Adão precisava saber naquele momento que ele era o primeiro da sua espécie, estava debaixo de pacto com aquele que o criou, e fora criado para ter comunhão com aquele cuja semelhança ele trazia em seu próprio ser.
Quem é você? Por que você está aqui?
Eu quase consigo ver a imagem do rosto do Senhor olhando para Adão, pensando a melhor maneira de responder essas duas perguntas, e finalmente dizendo: “Olhe, Adão, ‘quem eu sou’ é uma pergunta para mais de um dia de resposta, e isso se você se mantiver no estado em que eu o criei. Que tal começarmos com a segunda pergunta?” É óbvio que estou apenas conjeturando aquilo que deve ter sido o primeiro diálogo entre Deus e o primeiro ser humano, mas a necessidade de saber com quem estamos é fundamental para completarmos a “atualização do nosso perfil”. Como já dissemos anteriormente, a percepção imediata por parte de Adão de haver uma semelhança entre ele mesmo e aquele que estava diante dele deve ter causado um primeiro movimento de comunhão e aproximação. Ao saber que aquele que lhe era semelhante foi quem o criou e o trouxe à vida, a comunhão deve ter aumentado ainda mais. Todavia, quando Deus começa a falar com Adão, a comunhão atinge um grau muito mais elevado, pois agora ele percebe que aquela semelhança era apenas a porta de entrada para algo muito maior. Você já parou para pensar na surpresa de Adão ao saber que Deus podia lhe falar? Você já imaginou a sensação de não somente ouvir alguém falar, mas entender o que é dito e, por isso, iniciar um diálogo? Imagine que você tenha vivido com um animal de estimação que chegou em sua casa antes do seu nascimento. No dia em que você nasceu ele já estava há vinte anos na residência de seus pais. Passados mais vinte cinco anos, você já é um adulto, está sentado no sofá de sua casa assistindo um documentário na TV sobre animais como o seu animal de estimação. De repente, o seu animal de estimação começa a falar e contar como foi a experiência dos vinte anos naquele lar antes do seu nascimento. Além do susto, é claro, o sentimento imediato de comunhão e identidade atinge um grau muito mais elevado do que aquele que você cultivou por décadas. Ora, no caso de Adão, a situação é muito mais poderosa, pois não estamos tratando de um animal de estimação. Poder falar com Deus pressupõe imediatamente o acesso à sua presença, o privilégio de desfrutar da sua intimidade, além da oportunidade de atualizar nosso perfil com a versão mais avançada que jamais haverá.
Qual foi a última vez que você atualizou o seu perfil com a pessoa de Cristo, a expressão exata e a versão final do ser criado por Deus? Você deve saber, bem como já deve ter experimentado, que há limites para aquilo que pode ser feito com versões desatualizadas de um software. Inevitavelmente chegará o dia quando você terá que escolher entre atualizar ou viver isolado (sem comunhão). Quando este dia chegar, protelar a atualização já o colocará automaticamente no grupo daqueles cuja versão não permite mais atualizações.
Deus atualiza nossa versão constantemente por meio da conexão que temos com ele através de Cristo. Enquanto esta atualização não atingir 100%, não se desconecte.
D. Santos