Numa visita que fiz setembro passado ao Museu Ashmolean em Oxford, deparei-me com esta escultura inusitada do diabo assentado sobre uma rocha e roendo as unhas. Isso é um sinal de ansiedade, pensei. O que poderia estar causando ansiedade no diabo? A primeira coisa que me veio à mente foi a ocasião quando Deus provocou o diabo para olhar com mais atenção a vida de Jó. Por que alguém faria isso? Pior: Por que alguém provocaria o diabo para atentar para a vida e a piedade de alguém fazendo o melhor que pode para andar de maneira íntegra diante de Deus? Isso parece mesmo uma brincadeira de muito mal gosto para se fazer com qualquer um, muito mais com um amigo que tem andado de maneira justa e reta.
Por mais estranho que isso possa inicialmente parecer, eu creio que aquilo que Deus fez com Jó foi mais ou menos por este caminho. Veja só: Nós lemos no livro de Jó que no dia em que os filhos de Deus vieram para apresentar-se, veio também satanás no meio deles; aparentemente com a mesma finalidade, a saber, apresentar-se diante de Deus. Por que eles tinham que se apresentar diante Deus ou o que eles deveriam apresentar eu não faço a menor ideia. Todavia, foi nesta ocasião que Deus iniciou a provocação ao diabo em relação à integridade de Jó, com as seguintes palavras: “Observaste o meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal” (Jó 1:8). Se você não acha que isto foi uma provocação, permita-me parafrasear a pergunta de Deus com um pouco do que eu creio ter sido o espírito do momento: “Então, Satanás (lit. acusador), o que foi que você fez hoje? Contra quem será a sua acusação hoje? [Silêncio] Eu sei o que está te matando de ansiedade. Você não consegue engolir o fato de meu servo Jó ter aprendido a interceptar e fugir de todas as ciladas que você armou para ele, é ou não é? E não há nada que você possa fazer a esse respeito! ” Ora, mesmo que isto fosse verdade, não há razão para Deus estar esfregando na cara do diabo que Jó aprendeu a se desviar do mal. Isso é provocação. E foi Deus quem começou. Por que ele está fazendo isso?
Eis aqui algumas lições que tenho aprendido com este episódio. A provocação ao diabo trouxe à tona a principal ênfase do livro – motivação. Ao provocar o diabo desta maneira, Deus criou uma experiência de aprendizagem que beneficiaria muitas gerações por vir, desafiando-as a pensar mais seriamente sobre os motivos porque tememos a Deus. Para Satanás, a piedade de Jó não passa de uma barganha, mas já que ele não pode dizer isso (com estas palavras) a Deus, ele disse: “Porventura, Jó teme a Deus sem interesse? Acaso, não colocaste uma cerca ao redor dele, da sua casa e de tudo quanto tem? A obra de suas mãos abençoaste, e os seus bens se multiplicaram na terra.
Estende, porém, a mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se não blasfema contra ti na tua face” (Jó 1:9-11). Em outras palavras, satanás não está convencido da motivação genuína de Jó; ele acha que Jó está na verdade “usando Deus” para proteger seu patrimônio. Assim sendo, satanás estaria “oferecendo a Deus a oportunidade” de ver com seus próprios olhos que a piedade de Jó não passa de uma manipulação. Se colocado a prova, Jó reagiria de modo bem diferente, satanás acredita.
Eu não sei o que você acha de tudo isso, mas para mim toda essa situação, se confirmada, acaba afetando mais Deus e Jó do que satanás. Dizer que a integridade de Jó não passa de manipulação é uma acusação grave contra o servo do Senhor. E não apenas isso. Se olharmos pelo outro lado, a proposta de satanás é também uma acusação grave contra Deus, pois que Deus é esse que não consegue distinguir manipulação da verdadeira adoração? Eu não me surpreendo com a audácia de satanás; eu não esperaria menos dele. Sua proposta está equivocada. Entretanto, eu preciso perguntar: Satanás realmente precisava conhecer ou queria conhecer a motivação de Jó? Não. Deus precisava desta “oportunidade” para descobrir se a integridade de Jó era apenas uma manipulação? Não. Havia alguma coisa na vida de Jó, até este ponto, que justificasse ele ser testado da maneira que foi? Não. Na verdade Deus disse isso mais adiante: “Eu concordei em testa-lo mesmo sabendo que não havia razão para isso” (Jó 2:3 [tradução minha]).
Por que, então, Deus concordou em testa-lo por duas vezes? Por que ele permitiu que satanás lhe afligisse com tumores malignos da planta dos pés até o topo da cabeça? Deus quer que conheçamos e pensemos mais seriamente sobre nossas motivações. O que fazia satanás roer as unhas não era a integridade de Jó, mas a possibilidade dele estar fazendo isso pelas motivações corretas. Moral da história: Satanás não precisa destruir nossa integridade nem impedir que andemos de forma reta e justa diante de Deus. Tudo o que ele precisa é convencer-nos a buscar estas coisas com uma motivação errada. Se ele conseguir isso, o resto nós acabamos de destruir com nossas próprias mãos.
Daniel Santos
4 Comentários
Thais Castanha
01/13/2015 at 08:45O povo de Deus tem barganhado tanto na casa do Senhor que as unhas de satanás estão iguais a do Zé do Caixão,rs! Muito bom esse texto pastor, obrigada.
Eloiza Teixeira
05/29/2015 at 15:47Nem todos, cara Thais Castanha!
Gerson Moreira
06/29/2015 at 11:23Bom dia, Pastor
Qual seria a motivação errada da integridade? não entendi bem esta parte, pode explicar?
Att
Daniel Santos Jr
06/29/2015 at 15:25Olá Gerson, a motivação errada seria buscar essas coisas em troca daquilo que Deus pudesse dar e não por causa daquilo que Deus é. Um relacionamento baseado no “o que eu ganho com isso?” não é um relacionamento legítimo, mas interesseiro.