Li recentemente em um livro editado pelo meu professor D. A. Carson, que trata de adoração cristã, que nenhum tema suscita mais controvérsia no meio evangélico do que a questão de como devemos prestar nosso culto e louvor a Deus. É verdade. O assunto, já há muito tempo, tem sido contaminado pelas paixões com que seus articuladores apresentam suas opiniões.
Nenhum outro texto bíblico me traz tanta orientação de uma só vez quanto o Salmo 105. Em seus primeiros 6 versos vejo o que costumo denominar de “os cinco pontos da adoração cristã”. Ei-los!
1. Divulga – A adoração cristã rende (a adoração cristã não pode aparecer como o sujeito dos verbos render graças. cantar, etc.) graças ao Senhor, invoca seu nome, mas não se esquece de tornar conhecido entre os povos os seus feitos (105.1). Essa primeira máxima apresenta três momentos importantes: a gratidão, a invocação e a divulgação. Na verdade, melhor seria entendermos esse último momento como o alvo e a conclusão de um processo – a nossa gratidão e a nossa invocação precisam ser vistas pelos povos.
2. Narra – A adoração cristã canta (mesmo problema de cima, não é a adoração que canta) ao Senhor, salmodia a ele, mas não se esquece de narrar suas maravilhas. Esta é uma característica distintiva da adoração cristã: nosso louvor conta uma história; há um enredo intencionalmente preparado para atingir um objetivo específico. A prática de narrar por meio de um cântico é mais antiga do que muitos imaginam. Alguns exemplo podem nos ajudar aqui. Primeiro, o cântico de Moisés em Êxodo 15 que celebrava a vitória contra o exército de faraó ao mesmo tempo que descrevia detalhes da batalha. Um segundo exemplo que pode nos ajudar é o cântico de Débora também celebrando a vitória alcançada. Nele vemos uma descrição rica em detalhes à medida que o lemos. Terceiro exemplo: o cântico de Ana, após ter recebido do Senhor o pequeno Samuel. Observe, portanto, que a prática de narrar por meio de um cântico era, além de possível, muito utilizada. Conforme lemos no Salmo 105, a adoração cristã mesmo fazendo uso da melodia e do formato chamado “salmos” deve ser caracterizada por uma narrativa, no caso aqui, os poderosos feitos do Senhor. Nesse sentido, creio e afirmo que a falência da narrativa sobrecarrega a melodia. Em outras palavras, quando nossos cânticos não contam alguma coisa, o sucesso de um cântico acaba dependendo demais do arranjo e da melodia. Todavia, lembremos sempre disso: na adoração cristã conta-se mais do que se canta.
3. Alegra – A adoração cristã é uma expressão humana que manifesta nossa alegria em gloriarmos no nome do Senhor (105.3). Nenhuma outra criatura é capaz de sinalizar exteriormente, como o ser humano faz, o nível de contentamento experimentado no lugar mais profundo de sua alma. Nós, seres humanos, nos alegramos e conseguimos, em alguns casos, compartilhar nossa alegria levando outros a alegrarem-se também. Ora, o louvor que prestamos a Deus precisa ser marcado por esse elemento de alegria, pois o ato de buscar o Senhor e gloriar-se em seu nome necessiramente deve gerar tal alegria. Veja bem que o verbo “alegrar-se” não está simplesmente descrevendo o estado de espírito resultante da busca pelo Senhor, mas, em vez disso, estamos diante de uma ordem – Alegre-se! O verbo está no imperativo. Há muitas outras formas de expressão e relacionamento com o nosso Deus, sendo o lamento um deles. Nesse caso, cabe-nos uma postura mais séria e contrita, com lágrimas e pranto se for o caso. O louvor, entretanto, deve ser marcado pela alegria.
4. Busca – A adoração cristã busca (mesmo problema dos do prmieiro ponto, não é a adoração que busca o Senhor) o poder do Senhor buscando a sua face (105.4). Buscar a face do Senhor é sinônimo de construir um relacionamento íntimo e duradouro, aquele que nos garante a privacidade de olharmos face a face com o nosso criador – aí está a fonte do seu poder. Moisés, quando iniciou a sua jornada com Deus no deserto do Sinai, foi advertido pelo próprio Deus a não se aproximar demais. Distância e cautela lhe foram exigidos no famoso evento da sarça ardente. Daquele momento em diante, o relacionamento entre Deus e Moisés cresceu ao longo de quarenta anos. Aliás, o próprio Deus o descreveu como alguém com quem ele falava face a face, como um amigo fala ao seu amigo. De igual modo, a adoração cristã, mais do que promover a comunhão entre os adoradores, promove e busca a comunhão com Deus. Você já parou para pensar em que (ou em
quem) fixamos nossa vista quando estamos adorando o Senhor? Os mulçumanos prostram-se voltados para Meca, indicando indubitavelmente o que estão buscando e aonde. E nós, o que buscamos?
5. Relembra – A adoração cristã tem o papel de relembrar os feitos e os juízos do Senhor (105.5). Ao ler o salmo 105 fica evidente que o trabalho do salmista é por em prática aquilo que ele acabou de esboçar nos cinco primeiros versos. A adoração cristã é um veículo poderoso para manter vivos em nossa mente os poderosos atos do Senhor. No caso do Salmo 105, a tarefa é lembrar a saída do Egito e a maneira como o povo de Israel reagiu a tamanho livramento. Em outros casos, como em Deuteronômio 32, o cântico que Deus deu a Moisés tinha o propósito de ser um testemunho contra o povo (cf. Deuteronômio 31.19). Assim, a adoração cristã tem o propósito de manter viva a memória daquilo que o Senhor fez na história da redenção. É quase como se estivéssemos cantando continuamente os termos de um contrato que firmamos com alguém. Isso nos guarda de pecarmos contra o nosso Deus e quebrarmos a aliança que temos com ele. Não é sem motivo que o último verso desse salmo o conclui dizendo “para que lhe guardassem os preceitos e lhe observassem as leis, aleluia!”
D. Santos