A CONFISSÃO DO SÉTIMO DIA

I

Há momentos em nossas vidas que o silêncio pode ser o melhor remédio. Como é bom poder desfrutar de um tempo sozinho, sem ter que explicar, responder, perguntar, discordar, justificar nada a ninguém. Todas estas coisas consomem demais nossa disposição mental, além de consumir nossa disposição de servir a Deus. Há momentos, contudo, que o silêncio é um poderoso veneno que contamina e consome duas vezes mais que o ato de explicar, responder, perguntar, discordar ou justificar.

Não tenho o costume de fazer isso, mas estava recentemente lendo algo que escrevi há alguns anos sobre Jó. O texto tratava do silêncio de Jó após a segunda vez que o Senhor concordou em testá-lo (Jó 2:11-13), entregando-o nas mãos do tentador para tocar sua carne e seus ossos poupando-lhe somente a vida.

Todos já conhecemos a reação piedosa e confiante de Jó nos seus dois primeiros testes. No primeiro, quando perdeu dez filhos num mesmo dia, além de ter todas as suas posses destruídas e roubadas por bandos que vieram de outros países, Jó confessa prontamente: “Nu sai do ventre de minha mãe, nu para lá voltarei. O Senhor deu, o Senhor tirou. Bendito seja o Senhor! ” (Jó 1:21). No segundo teste, apenas alguns dias após o primeiro, tumores malignos repentinamente cobriram 99% da sua pele – um estado definitivamente terminal! Veja bem, a situação não é como se Jó tivesse descoberto um câncer de próstata que precisa ser removido imediatamente – um susto misturado com ansiedade. Não, a situação é bem diferente. Enquanto ele ainda buscava meios de reerguer-se da terrível tragédia que lhe ocorrera, ele acorda uma manhã e começa a perceber erupções se espalhando pelo seu corpo, começando no couro cabeludo descendo até a sola dos seus pés. A Bíblia descreve suas feridas como “tumores malignos” e, porque eles cobriram praticamente todo o seu corpo, o seu quadro era visivelmente sem volta. Para um bom entendedor, a mensagem é clara: “perdi todos os meus dez filhos semana passada”, pensou Jó, “e agora amanheci coberto de tumores malignos, o que esperar do dia de amanhã senão a própria morte? ”

Ainda dilacerada pela dor da primeira tragédia, e exausta demais para aguardar a morte do seu marido que inexplicavelmente não chega, a esposa de Jó surta: “Ainda conservas a tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre! ” (Jó 2:8) [Tradução: chega de dar uma de santo! Qual a vantagem de temer a um Deus que destruiu a vida de nossos filhos e agora quer te matar? Amaldiçoa logo esse SEU Deus! Quem sabe é isso que ele está esperando para dar o último golpe]. “Jamais! ” Pensou Jó. “Minha integridade não é uma barganha com Deus. Se daqui em diante ele decidir me conceder somente o mal, continuarei temendo-o e amando-o por tanto bem que já me concedeu até aqui. ” Impressionante a postura de Jó! Sempre me admiro da sua postura firme após este segundo teste.

II

Agora vem a parte que não entendo. Alguns dias se passaram e três dos seus amigos planejaram uma visita para consolar a situação atual de Jó e oferecer as condolências pela tragédia com seus filhos. O plano que eles fizeram (consolar e condoer-se) foi baseado no que eles ouviram a respeito do que tinha ocorrido. Quem contou? Não sei. O que sei é que não contaram a metade do que realmente aconteceu, ou a situação era mesmo indescritível. Qualquer que seja o caso, ao chegarem na propriedade de Jó, estes três amigos desabaram em pranto pela gravidade da situação. Mesmo sabendo o que tinha ocorrido, o primeiro impacto ao ver a condição física de Jó foi muito maior do que eles anteciparam. A descrição que a Bíblia faz do estado de choque destes amigos diz: “Sentaram-se com Jó na terra, sete dias e sete noites; e nenhum lhe dizia palavra alguma, pois viam que a dor era muito grande” (Jó 2:13).

Sete dias em silêncio. Usando as minhas palavras iniciais, sete dias sem ter como explicar, como responder, como perguntar, como discordar ou sequer justificar. Sete dias de silêncio – por parte dos amigos e por parte de Jó também. O que está acontecendo? Por que Jó não está falando mais nada? Por que os amigos não dizem nada? Por que eles não iniciam perguntando alguma coisa? O motivo porque os amigos não disseram nada a Bíblia diz: “pois viam que a dor era muito grande”, mas o motivo porque Jó não dizia nada não é dito. A razão da minha perplexidade com o silêncio de Jó não é por achar que ele deveria ter dito aos seus amigos as mesmas coisas que disse anteriormente à sua esposa. Não! Como disse no início, há momentos quando o silêncio é o melhor remédio. A minha perplexidade é com o efeito que sete dias de silêncio teve na vida de um homem como Jó.

Em sete dias de silêncio ele transformou-se numa pessoa completamente diferente da que conhecemos nos primeiros dois capítulos do livro. Não podemos nem dizer que a transformação teve alguma coisa a ver com o que seus amigos disseram, pois somos informados que eles não disseram coisa alguma. O que amargou o coração de Jó? O que levou-o a amaldiçoar o dia do seu nascimento imediatamente após os sete dias de silêncio? (Jó 3:1) Onde foi parar aquela convicção imediata de que se o Senhor deu ele também pode tirar? O que aconteceu com a disposição genuína de receber tanto o bem quanto o mal das mãos do Senhor? Antes ele era consolado pelo fato de nu ter saído do ventre de sua mãe, agora ele quer saber “Por que não morri eu no ventre da minha mãe? Por que não expirei ao sair dela? Por que houve alguém que me acolhesse? E por que peitos, para que eu mamasse?” (Jó 3:11-12). Esta é a razão da minha perplexidade. Bem, eu não sei o que causou esta mudança drástica no espírito de Jó; ele não diz, o restante do livro também não diz, o que me faz pensar que não temos como saber. O que sei é que, se sete dias de silêncio puderam mexer com a cabeça de um homem tão íntegro e reto como Jó, o que os mesmos sete dias poderiam causar em minha vida?

III

Esta experiência de Jó me ensina, então, que preciso sempre ter um companheiro temente a Deus que possa “ouvir meus pensamentos” antes que se completem os sete dias. Ache alguém hoje! A dor do luto, a aflição física dos seus tumores e a devastadora percepção de que seu caso era terminal não foram suficientes para sugar daquele homem a integridade e o desejo de viver, mas sete dias em silêncio …

Enfim, aí vai um conselho: O silêncio é um santo remédio, mas há contraindicações. Ele só funciona na vida daqueles que já são capazes de dizer:

2014-10-20_1435

Daniel Santos

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Professor, pesquisador e pastor. Amo ouvir, refletir e divulgar boas ideias. Creio, sigo e sirvo o Deus que se revelou nas Escrituras do Antigo e Novo Testamentos.

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